por Eloá Calopsita, em 2023-10-11
Mayombola, o regresso das almas perdidas
Há um segredo escondido na pequena aldeia de Mayombola, uma aldeia que se esconde da luz do sol, conhecida por poucos e abandonada por muitos, lá onde a escuridão enlouquece, até a mais inocente criatura veste-se de solidão. A história da cidade nem sempre foi acompanhada de sussurros. Tudo começou quando sacrifícios começaram, o sobrenatural tomou conta da aldeia. A história que vou contar é um segredo. Cuidado! Não fique perto da janela.
O povo de Mayombola sofria, a fome assolava suas terras, a água nos poços diminuía em cada amanhecer, tudo que se plantasse não germinava, a terra estava infértil, e os animais? – Estes sucumbiam sem explicação alguma, relatos contam que muitos deles eram encontrados pelos campos, torturados e sem o coração. Há quem diga que durante a noite ouvia-se o chocar leve e barulhento das folhas sendo pisadas. Mas, ninguém, ninguém nunca se atreveu a olhar, eles temiam o anoitecer.
– O que aconteceria se olhasse directamente pela janela? Kalunga aproximou-se lentamente da janela, seu coração batia descompassadamente, do lado de fora, ouviamse movimentos da cadeira de balanço. E se eu voltasse para cama? - Questionou-se. Afastou as cortinas, seu corpo estremeceu no primeiro contacto. Do outro lado da janela, sob a luz do luar e o silêncio da madrugada, viu um homem comendo tripas do seu cão, uma parte em sua boca e outra entre os dedos. Sangue escorria no rosto do homem que comia apressadamente, com olhar petrificado, Kalunga avistou na cadeira de balanço, uma mulher. As trevas habitavam em seu olhar, de vestes brancas, cobria-se de terra, fazendo rezas, punha em seu colo o cadáver de um bebé, boquiaberta, Kalunga respirava profundamente.
– O que fariam se me vissem olhando pela janela? Marcou dois passos para trás sem afastar olhar da família sobrenatural, ouviu-se o barulho de alumínio tocando o chão. Viu-se exposto diante da mulher das vestes brancas, consumia em seu olhar o abismo.
O homem com a tripa do cão, com a boca ensanguentada, levantou-se visitando a pessoa da mulher, de insólito, chorava o cadáver em seus braços. Sorriso demoníaco formou-se em seu rosto.
Movendo suas cabeças de um lado acolá, a mulher afastou-se, com o medo sobre a pele, Kalunga fez o mesmo, seu cão estava morto, não queria ser o próximo, com movimentos brutos, a cabeça do homem das tripas chocava a janela, enquanto a mulher entoava cantos:
– 1,2,3, você precisa correr! – Kalunga sussurrou, correu para dentro do quarto, antes de ver o homem pondo o seu corpo para dentro da casa. Assustado empurrava as mobílias do quarto em direcção da porta, lúcido de que o homem ou quer que fosse poderia derruba-la. A vida nos parece preciosa quando estamos diante da morte, o ranger da madeira descompassou o seu coração, gritou, mas, ninguém atreveu-se a olhar pela janela, ninguém o ajudou. Cuspiu seu corpo para fora de casa. Talvez fosse importante encontrar algum machado, porém, como se mata, o que já está morto? A aldeia estava só, a lua se deixava cobrir pelas nuvens, Kalunga corria para longe dela.
– Mayombola, o regresso das almas perdidas!
Você não pode fugir! você não pode fugir da Mayombola, ela vai pegar você, você não pode fugir, fugir, fugir, estamos todos presos aqui! – direcionou o rosto de lado, tudo o que avistou foram inúmeras cabeças sem corpos, mergulhadas na escuridão, correu para longe delas, não pretendia olhar para atrás, dizia ele – o medo nos cega a razão. Por um instante deixou-se recuperar o fôlego, seus olhos ansiavam avistar a luz, precisava alcança-la.
– Kalungaaaaa. – Voltou-se para trás, suas pernas tremiam, sentiu o líquido quente descendo entre elas.
– Kalunga, venha comigo, deixe que eu te mostre como eles trouxeram você para a escuridão! – a mulher, aproximou-se, sentiu o toque gelado de suas mãos, deixou-se direccionar por elas, caminhavam sobre as folhas, avistando uma fogueira, a volta dela dançavam alguns habitantes da aldeia, a cada passo que marcavam sentia a presença deles aumentado atrás de si, milhões de almas perdidas, o levavam para perto da fogueira, homens e mulheres cheios de vazios, homens com tripas em mãos, rostos deformados, deixou nascer rio entre o rosto, julgou-se morto, ergueu o olhar, rostos conhecidos dançavam ao lado de seu corpo sem vida. Entoando cantos aos demônios, Kalunga era a oferta. O ritual foi concluído! – o soba gritou: E agora, o que faremos? – alguém questionou.
Queimemos o corpo, a Mayombola virá a sua busca, nossas terras continuarão férteis. – A resposta veio do soba. Kalunga viu seu corpo sendo jogado na fogueira. Então, era desta forma que conseguiam toda a fartura, sacrificando as pessoas. Relatos contam que naquela noite, o jovem sacrificado, rogou aos espíritos que deixassem cair a escuridão eterna sobre a aldeia, e assim com a pureza do seu coração, suas preces foram atendidas, pedira a libertação das almas perdidas, “ o mal, o verdadeiro mal, acontece aos olhos da ganância e desespero dos homens vivos”. Cuidado, não fique perto da janela, a Mayombola pode pegar você.
FIM
Anastásio Cassinda
Interessante! eu acho que já há uma maturidade por parte da escritora! Está de PARABÉNS, Eloá Calopsita e que venham mais textos como este! Pode ficar tranquila, querida escrita, que me afastei da janela quando li!