por Obama, em 2022-11-02
Depressão
Depressão
Autor: Obama
Todos os dias eram cinzentos, o arco-íris tinha sido roubado da vida do grande veterano de guerra, as trincheiras foram por muito tempo as suas verdadeiras companheiras, o acordar era misterioso e o dormir uma dúvida sem resposta. Abutres se alimentavam dos desejos mais putrificados das suas lembranças, olhos pretos como o cheiro da escravidão, pernas longas e firmes, pisando em terra árida com aparência mística do anoitecer. O capim é cinza, o medo da solidão se fez veste, a escuridão é pluma do sol.
Senhor Mufuma (resistência), assistiu e vivenciou os mais terríveis assassinatos e conviveu com as aparições das almas ainda viventes à guerra toda. Viu seu melhor amigo a ser arrancado à cabeça pelas tropas inimigas, viu seu general a ser torturado, tiraram – lhe a pele toda, como se de animal se tratasse, viu cães a serem usados para alimentação dos soldados, viu o terminar dos sonhos de mães amarguradas, pelos filhos à serem levados para guerrilha, ele diz que foi ao inferno e voltou e que tudo que viu lá, nem se aproximava da tão clamada padaria onde o Diabo amassava os seus benditos Pães. Era tudo escuro, os dias eram cobertos de choros e gritos, as mulheres violentadas e os seios arrancados, as crianças eram queimadas vivas para rituais das milícias, o sol tinha vergonha da natureza hostil, que nem sequer dava a “luz da sua graça”. O contar dos dias eram inúteis, as horas eram inexistentes o suor caia como vinha* de sangue, as noites frias vinham acompanhadas de frustrações e arrependimentos, de saudades e vontade de voltar, de pensamentos suicidas, mas de uma resistente esperança fazendo jus ao seu nome.
Árvores sem esperança de frutificar, raízes com medo das suas folhas, troncos sem membros para os suportar, rezas sem chão para se ajoelhar, ventos sem sopros para nos guiar. Quem dera que a Águia fosse Coelho e o Coelho Galinha. Para que a Águia conhecesse os segredos da terra e o Coelho a sublimação dos Áres. É como se tudo parasse quando a natureza quer dar respostas as perguntas dos homens. Senhor Mufuma diz que assistiu pessoas se transfigurando durante a guerra por causa de dinheiro, o próprio Diabo se fez homem e consumiu-nos a todos, matávamos sem medo de temer a morte, matávamos com a segurança de que não nos matassem também, o dinheiro criou Deuses dentro do coração dos crentes, a fome e a miséria criou Pastores sem Fé, em busca do coração amedrontado arrepiante dos Fies “dizimistas”. De forma tardia, mas chegou, sim chegou seu dia, o dia esperado para regressar a sua casa, após o término do seu serviço militar nas matas do Mayombe, era tempo de voltar para sua casa, que ficava na cidade de Luanda no bairro Malueca, onde a família lhe esperava ansiosamente, sua esposa e sua filha, que por força da genética era igualzinha o seu pai, destemida e corajosa,arrumaram-se toda e foram até ao aeroporto 4 de fevereiro a do seu Pai. Com alegria no coração e com dinheiro obtido pelos seus serviços de inteligência de guerra, mandou construir uma enorme casa para ele e sua família, mas para isso ordenou que procurassem o melhor Arquiteto que a cidade de Luanda já teve, aquele que com a força da caneta e a engenharia das construções pudesse realizar a melhor construção possivel, foram dias de buscas, até que trouxeram o Kiture, o homem dos grandes palácios e mansões da cidade, o homem que construiu o castelo de latas do Prodígio, sim ele mesmo, o arquiteto da paz. Então tiveram dias de negociações até que tudo foi acertado e o contrato assinado, contrato este que envolveu muitos milhões.
Começou então a construção da casa, e para isso foram contratados mais de 50 pedreiros, 25 pintores de todas as raças, canalizadores que tinham origem nas águas sagradas dos rios de Angola, eletricistas com luz divina, foram dias sem parar de trabalhar, até que passando dois meses de obra, o arquitecto Kiture acaba por morrer de forma misteriosa, deixando a obra por terminar;- Os vizinhos diziam que Kiture era bruxo, feiticeiro, e que o feitço teria acabado e por isso que a morte veio lhe cobrar, outros que o senhor Mufuma entregou Kiture na Mayombola, para que a sua obra terminasse rápido, e que era o sacrificio da sua riqueza... Mas mesmo com todos essas falácias, o agora General de Guerra Mufuma, contrata outro Arquiteto para execução da sua tão sonhada casa, e no final de um ano, finalmente terminaram as obras e a casa é entregue ao seu dono. Aventureiro como era o senhor Mufuma, queria desfrutar da sua aposentaria, fazendo inúmeras viagens pelo mundo com a sua família, visitou as piramides do Egipto, o Monte Evereste na China e Nepal, dançaram o samba do carnaval Brasileiro, e mais tarde resolveu ir sozinho, ficando 5 meses fora de casa. Tentando assim apagar as marcas que a guerra fez questão de as colocar em seu corpo;... As marcas da alma marcam a vida toda, sem desprimor de qual corpo habitar, o único desejo de um homem à quem foi morto o desejo de viver, é à arrepiante e solitária morte. A morte é a ausência da vida e a vida é a presença do Amor. E o senhor Mufuma de Amor estava vivo, pois era imensamente amado e admirado pela sua família, precisamente pela sua Esposa Laura e sua Filha Nilza.
Ao seu regresso admirado por não ter encontrado a sua filha e esposa no aeroporto a sua espera como da vez passada, acelerou os seus passos até sua casa, estava tudo estranho os cães não ladravam, nem os papagaios emitam os seus sons, havia um silêncio que falava em voz alta na cabeça do senhor Mufuma, a porta estava entre aberta, havia coisas espalhadas próximo a entrada principal, tudo indicava o pior, e a preocupação do senhor Mufuma era notória, pois o suor era como se de uma chuva estivesse saído, os olhos enchiam-se de lágrimas, as suas pernas longas tremiam, o medo tomava conta dele a cada passo que dava, até quando entrou para sala de jantar onde encontrou sua esposa no meio da sala, brutalmente espancada, com roupas rasgadas, a garganta cortada, o seu coração arrancado, e os seios cortados, e o pior é que amarraram e crucificaram ela na parede, tal e qual fizeram nos seus companheiros quando estavam na linha da frente da guerrilha. Foi como se o Karma estivesse a fazer o seu trabalho, pois no período de Guerra, senhor Mufuma foi obrigado a cometer inúmeras atrocidades iguais aquelas ou piores; foi o responsável das torturas dos prisioneiros, queimava as mãos durante o interrogatório, cortava a língua dos delatores, tirava os olhos dos espiões, queimava famílias inteiras quem não colaborassem com a rusga, enterrou pessoas vivas que tentassem fugir do trabalho nos campos, participou em oferendas horrendas de rituais de protecção e sacrifícios. Escavou e retirou restos mortas de pessoas para puni-las dos seus crimes, era visto como um algoz.
Senhor Mufuma, trémulo, sem força, sem reacção, entrou numa profunda crise de choros e lamentações. Então deu conta que a sua filha não se fazia presente em casa, chamou por ela, gritou seu nome muitas e muitas vezes e ninguém o respondeu, existia um clima arrepiante naquela casa, e um cheiro horrível em cada cómodo, as paredes pareciam que falavam, em cada degrau que subia era como se estivesse mais pessoas naquele momento com ele, era muito apavorante e pesado estar aí naquele momento. Saiu procurando por sua filha desaparecida, incansavelmente procurava, passaram-se dias e meses, até completar 5 anos à viver sozinho na casa tão sonhada e a procura de sua filha desaparecida, foram muitas buscas e investimentos para encontrar a sua filha, mas nada surtiu efeito. Os dias pareciam ser mais longos e as noites mais frias ainda. Senhor Mufuma não enterrou a sua esposa com esperança dela ressuscitar, passava as noites com o cadáver na cama, até noites de amor ele teve com os restos mortais dela. -Onde está o Diabo dizia ele, para que eu lhe possa agradecer por todo sofrimento, pois tamanha é a raiva e o ódio que tenho dele, que acabou se transformando em misericórdia e compaixão, pois o ódio que sinto não terá acção alguma capaz de exprimi-la. O amor é como sol, ele nasce e se põe, ele é quente, ora frio, mas o amor está sempre presente. E o amor que ele tinha pela sua esposa e filha, nem mesmo a morte conseguiu abalar.
Ouvia-se todas as noite o choro de uma criança no jardim de casa, o barulho dos batuques que soavam como gritos, as janelas abriam-se e fechavam sem que ninguém às tocasse. Sensação mórbida, coração arrepiante, dor da escravidão, paladar plácido. Ouvia-se passos pela casa inteira, mas ninguém via nada, nem gente, nem animal, os alarmes tocavam sem parar, o tic-tac do relógio era cansativo e o aspecto do senhor Mufuma repugnante. Foi chamado Padres, Pastores e Quimbandas para poder trata-lo, mas nenhum conseguia dizer oque se passava com ele. Notava-se uma presença maligna naquela casa. Uma tristeza sem precedente, perda de apetite, perda brusca de peso, cansaço constante e sem motivo, dificuldade de se concentrar, perda de memória, pessimismo, felicidades forçadas onde ele fazia de tudo para parecer estar bem, culpa extrema e excessiva, pois culpava-se por ter abandonado a sua família e ter viajado para bem longe de casa, excesso de sono e uma mente transtornada pela guerra, e agora depressiva.
Dizia que Chegamos num momento em que subimos na testa do próprio Diabo, as lembranças eram como se ele vivesse as mesmas coisas do período de guerra. Se lembrar é viver então a cada lembrança ele morria por dentro, havia sangue, havia Pus nos olhos dele, havia tudo e por fim ele engasgava-se com os pedaços de osso dos restos mortais de suas esposa que ali ainda se encontravam. Ele gritava; sintam, sintam, sintam o som da dor e do sofrimento arrancando meu peito, não há esperança para quem se acha totalmente amadurecido nem perdão para quem acha não ter pecados. Somos um Branco no Preto e que as vezes, misturamos verde para o futuro, e cinza para o passado, a chuva é o choro dos mortos, então eu vivo encharcado por dentro, pois a minha ignorância fez inútil os meus sentidos. Todos os aniversário da sua filha, colocava fogo no quintal, para que se fizesse fumaça, fumaça com o fogo do amor, para que a liberdade seja o destino de sua Filha e da sua alma. Estou com roupa, mas a nudez me consome, a nudez de não poder proteger a minha família, a nudez de ver as pessoas mortas por mim em meus sonhos, a nudez de espírito, de alma, a nudez dos olhos e da covardia, a nudez da fraqueza. Guardei o som da batida do coração da minha filha, pois era puro, mas nunca imaginei que seria o último.
-Senhor Mufuma, Senhor Mufuma, Senhor Mufuma, disse o Medico… Acorda, pois já passamos da hora do seu atendimento….
Após acordar do profundo sono que estava, Senhor Mufuma percebeu que nada era real, que nunca teve filhos nem esposa, e que tudo aquilo era apenas um sonho dentro de um hospital para veteranos de guerra. E esses são os verdadeiros sintomas de uma depressão profunda.
Setembro Amarelo- (A Ignorância é o refúgio dos tolos)
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