por Emanuel Ngunga, em 2023-10-21
O INVERNO DE 3.500
– Minha filha, se há algo que você nunca deve fazer é confiar cegamente nos humanos. Eles abusam da liberdade que receberam dos deuses e só plantam mentiras.
– Mas mãe, o pai disse-me que não devemos julgar sem conhecer.
– Foi esta ideia que tirou o seu pai de nós. Ele confiou nos humanos, mas eles o mataram. Não estou falando como rainha, ouça o conselho de sua mãe.
– Rainha, recebemos a informação de que os humanos foram atacados e pedem nossa ajuda. – Disse o comandante da guarda.
– Partiremos agora. – Ordenou a rainha.
Era o inverno de 3.500 quando todos os reinos estavam em guerra. De norte ao sul, todos em guerra. Sucedeu que na primeira lua cheia daquele terrível inverno, o reino dos Tigrianos dissipou brutalmente o reino dos Humanos.
– Depressa, faltam apenas dois quilómetros para chegarmos. – Disse a rainha.
– A essa altura já devem estar mortos mãe. – Respondeu a princesa.
Havia nevoeiro, a visão turva diante dos olhos, e a lua refletia o sangue espalhado em todo lugar.
– Mãe, há corpos em todo lugar. Estão todos mortos. – A princesa estava assustada.
– Infelizmente não chegamos a tempo filha. Já não podemos fazer nada.
– Este foi o último reino no norte, sobra nós apenas. – Disse o comandante da guarda.
– Eles não terão coragem de nos enfrentar, temos uma arma poderosa. – Respondeu a rainha.
– Ouviram este barulho? – Perguntou a princesa.
– Vem daquela cabana.
– Em suas posições! – Ordenou o comandante.
Logo que entraram na cabana encontraram um humano estendido no chão, ferido e tremendo de frio. – Eu sou a princesa Ágata, viemos ajudar.
– Eu sou o Ngola.
– Há mais alguém vivo do seu povo?
– Não, eles mataram todos. A minha família…
– Apesar de não confiar teremos compaixão. – Disse a rainha.
Os Tigrianos haviam destruído todos os reinos no sul e levaram alguns como escravos. No norte não era diferente. Os Tigrianos tinham o corpo idêntico aos dos Humanos, mas com a cabeça de tigre. Eram muito fortes, ninguém os poderia superar na força física. Os Mágicos eram um reino matriarcal, dominavam a magia e diferente dos humanos suas mulheres tinham a pele pálida, cabelos brancos e longos, e olhos castanhos.
Quando os Humanos foram atacados no sul, Ngola e Ágata eram jovens, Ngola um Humano bastante atraente e de um coração puro encantou a princesa fazendo com que fosse criado no palácio real apesar do desagrado de alguns.
*****
Verão de 3.067
– Com a vossa atenção, a rainha Biana! – Disse o porta-voz para o povo.
– Povo da coragem, da honra, meu povo! Hoje é um dia especial, vossa princesa minha filha irá demostrar sua coragem e força escalando esta montanha de mais de oito mil metros de altura como fizeram os nossos antepassados. Como sabem, o meu esposo morreu em batalha para proteger o reino, por isso há somente uma princesa. Há um elemento a mais, um humano, sei que alguns de vocês não aprovam, mas ele conquistou um lugar entre nós.
– Os humanos não são confiáveis, mentem regularmente, e só pensam em si. – Disse alguém entre o povo.
– Sei disso, mas ele não é um humano qualquer pois tem um bom coração. – Continuou a Rainha. – Que comece o desafio!
Ágata e Ngola fizeram quase meio-dia para atingir o topo da montanha, e quando já estavam regressando, Ágata estava bastante cansada.
– Já não aguento. – Disse a princesa.
– Não desista agora, faltam uns 800 metros ou menos.
– Não sou tão forte Ngola.
– Na verdade és bastante forte. Nós, temos a tendência de subestimar as mulheres, mas você tem provado que isto é um mero clichê.
Já perto do fim, a corda que segurava Ágata soltou-se e a única coisa que a segurava era uma reentrância na rocha onde segurava sua mão. Ngola foi ao seu encontro e quando não havia mais opção decidiu tirar a corda que o segurava para que Ágata pudesse descer e voltar com ajuda. – Não se preocupe comigo, você desce e volta com ajuda estarei aqui. – Disse o Ngola. No entanto, a rocha era bastante escorregadia não aguentaria por muito tempo.
Antes mesmo que Ágata coloca-se os pés no chão, Ngola já havia perdido o controlo da situação. Suas mãos enfraqueceram e soltou-se do suporte. Ngola sofreu uma queda e todos temiam pelo pior. – Ele é um herói. – Disse uma voz entre o povo.
Estendido no chão e inconsciente, a princesa temia pelo pior. Porém depois da intervenção da equipa médica já no reino, todos os ânimos foram acalmados. – Ele ficará bem Princesa, ele é forte. – Disse o médico.
***
3.068
– Sim eu aceito.
O “sim” foi a palavra que selou a união entre Ágata e Ngola, conheceram-se jovens e apaixonaram-se no correr do tempo. Biana acompanhou a cerimônia, mas já estava nos seus últimos meses de vida.
Os anos se passaram, e Biana já não estava entre os vivos. Ágata era a nova rainha. Descobriu-se que Ágata não podia ter filhos e apesar de incomodar Ngola, ele continuou do lado dela mesmo com os incentivos dela para que ele procurasse outra mulher para poder ter filhos. O reino estava em paz, Ágata dominou todas as áreas do reino com sua imponência e sabedoria.
***
3.074
– Bom dia, rainha, está um lindo dia.
– Bom dia, meu rei. Queria passar o dia nesta cama com você.
– Tu és a Rainha.
– Mas não será possível, tenho uma reunião com o conselho.
– Vá, antes que te atrases.
– Amor, tens certeza que não queres filho?
– Está tudo bem, já falámos sobre isso. Com você tenho tudo.
– Há muitas mulheres no reino e eu poderia cuidar da criança como se fosse minha.
– És tudo para mim, não preciso de mais nada.
– Sabes porquê os Tigrianos nunca atacaram o reino?
– Sim. Temos uma arma.
– Esta é a arma de que tanto se tem falado, foi criada por um Mago usando todo o seu poder. Criou uma luz extraída do sol e esta luz quando libertado nenhum Tigriano consegue resistir. Quero que fique contigo, é a nossa proteção. Minha mãe passou para mim antes de morrer.
– Sim. – Disse Ngola depois de receber.
Num belo dia, enquanto o reino preparava-se para o inverno, a rainha decide dar um passeio no povoado. Passava pelo povo, dando beijos, chocolates, e contava estórias às lindas crianças do reino. Sucedeu que quando a caravana real estava de regresso, os sinos foram tocados, o atalaia dava sinal de perigo. Quando a rainha chegou no portão principal foi informada que eram os Tigrianos se aproximando então, a rainha procurou o seu esposo mas não o encontrou. Em desespero ordenou que as tropas estivessem prontas para o pior.
No entanto, os Tigrianos vieram com tudo. Destruíram todo reino Mágico e levaram alguns como escravos. A rainha guiou um número pequeno entre o povo para um esconderijo na floresta onde ficaram até que cessou.
Quando o barulho da guerra silenciou, a rainha e sua guarda foram até ao reino. Seus olhos viam destruição, gente morta, membros quebrados, sangue em todo lugar. Ágata queria entender a razão de um ataque repentino e certeiro dos Tigrianos juntamente o paradeiro do seu esposo.
– Há um Mago que diz poder explicar. – Disse um oficial.
Diante da rainha o mago começou dizendo. – Minha rainha, sinto muito, mas a culpa deste ataque é dada ao seu marido. – Via-se o espanto no rosto de todos.
– Mago, isto pode lhe custar a vida. – Respondeu a rainha.
– Falo com certeza minha rainha. Posso mostrar através da bola mágica. Dois anos depois do vosso casamento o rei estava infeliz, pois queria filhos para continuar sua linhagem então, encontrou uma mulher ao norte do reino e com ela teve uma filha esta é a razão de todas as ausências sem explicação do rei. O que ele não sabia é que tal mulher era uma espiã e princesa do reino Tigriano que sem saber disse à mulher que o colar era um sinal de proteção ao reino Mágico, ela, sem que o rei soubesse, tomou o colar e informou ao seu pai. Por isso sabiam o momento exato para atacar, enquanto sofríamos o ataque o rei se deitava com a espiã.
Naquele momento Ágata se lembrava das palavras de sua mãe, e imediatamente seguiu com sua tropa para o local onde estava Ngola com a espiã. Quando chegaram, prenderam-na para que a usassem como troca afim de adquirirem novamente a arma.
– Espera, eu posso explicar. – Disse Ngola.
– Não há nada para explicar, minha mãe estava certa. Você me traiu e traiu o reino que te acolheu. Sua traição e falta de lealdade custou a vida do meu povo e no final de contas a filha que tanto querias é resultado de uma mentira. Mas, eu quero que vivas com este peso até o dia da sua morte.
Ágata trocou a arma pela princesa tigriana e assinou o acordo de paz. Com muito sacrifício reconstruiu o reino e baniu Ngola para sempre.
E desta vez, não foram felizes para sempre.
Quem sabe o “ Feliz para sempre” está no seguir em frente.
POR: EMANUEL NGUNGA
Tradução – Kimbundu
Ngola: Soberania