por Sweet Zompira, em 2023-05-09
O Marichi da Morte
Algures no México. Ano 1900. Século XIX.
Uma rojada de vento atravessou o pequeno povoado chamado La Casa de la Muerte fazendo com que os habitantes que dançavam à volta de uma fogueira rodeada de caveiras parassem de dançar subitamente. Eles ajoelharam-se e apoiaram as palmas das suas mãos no chão, sentindo a humidade da terra vermelha que penetrava seus corpos. Um homem idoso com cabelos brancos como a neve e os olhos negros como a própria morte levantou as suas mãos ossudas que indicavam sua velhice para o céu e começou a sacudi-las ritmicamente, fazendo as duas pulseiras feitas de ossos humanos que rodeavam seus pulsos dançarem ao som do vento.
— Louvada seja nossa mãe, Santa Muerte! O teu sopro é bem-vindo ao nosso humilde povoado. Que a sua protecção esteja sempre connosco! Obrigado! — Disse em voz alta exibindo sua devoção.
Os habitantes à volta da fogueira e os que assistiam a celebração também agradeceram em voz alta e em coro. Terminadas as graças, os que estavam ajoelhados levantaram-se e voltaram a entregar seus corpos ao espírito da dança.
— Venha dançar, Pablo! — Disse uma menina esbelta, de cabelos longos aproximando-se de um rapaz forte e de olhos claros.
— Não me apetece — respondeu de mal humor.
A menina sorriu não importando-se com a rejeição e se afastou dançando alegremente. Pablo observava seu povo com raiva. Os odiava. Odiava o maldito povoado com as suas casas de madeira, o clima frio e triste durante a noite e principalmente os habitantes que adoravam a Morte. Para ele tudo isso era uma idiotice que os impedia de prosperar, pois eles nunca saiam do povoado porque “as suas almas pertencem à Santa Muerte”. Ninguém entra e ninguém sai. O que mais o irritava era o facto de outras civilizações apenas os ignorarem. Era como se eles não existissem no mapa. Durante toda a sua vida Pablo quis sair do seu povoado mas sempre fora impedido por seus pais. Mas hoje isso mudaria. Agora sendo maior de idade, poderia fazer o que bem entendesse e uma coisa estava clara: largaria o maldito povoado e começaria a viver de verdade.
Assim que o silêncio tomou conta do povoado, Pablo pegou suas coisas e abriu devagar a porta da sua humilde sua casa. A porta rangeu como sempre fazia e ele amaldiçoou-a por dentro. Mas nenhum familiar despertou do seu sono tranquilo e esse foi sinal para ele avançar sem olhar atrás.
Caminhando lentamente rumo à saída do povoado demarcado a alguns metros por uma placa de madeira gasta com o nome da vila, Pablo parou de repente quando ouviu um som que não conseguiu identificar.
— Quem está ai? — Berrou olhando aos arredores, agarrando forte o seu saco de pano que continha seus pertences sobre o ombro.
Ninguém respondeu. Pablo continuou a caminhar e parou de novo desta vez ouvindo o som animado de uma viola viajava pelo ar e ele se surpreendeu. Quem diabos é o louco tocando agora?
— Com certeza seria louco se te deixasse ir — ouviu alguém falando seguido de uma sucessão de acordes de uma guitarra que o assustou quando avistou ao longe alguém caminhando lentamente entre a vegetação verde.
Era um Mariachi, percebeu vendo o chapéu. Mas o tal Mariachi parecia cada vez mais magro a medida que se aproximava. Pablo perdeu a fala quando viu o que estava à sua frente. No lugar de um humano como o rapaz deduzira, vi um esqueleto vestido de Mariachi, com os olhos grandes que pareciam que duas flores moravam neles, assuntando-o bastante. O Mariachi sorriu, ao menos isso pareceu pois sua face era esquelética, deixou a guitarra no chão e em seguida pegou numa pistola prateada que brilhava à luz da Lua.
— Porquê você quer deixar quem te protege? – Sua voz grave como se estivesse saindo de um túmulo percorreu todo corpo do Pablo que demorou vários minutos para responder.
— Você chama isso de protecção? Nós somos prisioneiros! — Gritou com raiva, depois de ganhar coragem.
— Arriba! — Falou rindo. — Corajoso. Isso é muy bueno para mim e muy malo para você. Os corajosos são os meus preferidos.
— Apenas…. deixe-me ir — disse com sua voz tremendo.
— O mundo lá fora é horrível. Os meus colegas levam muita gente, não importa quem sejam. Crianças, ricos, pobres, solidários, malvados e por aí. Mas eu protejo vocês. Eu os levo a viveram até aos cem e seis anos. Isso não é bom? Viver tanto assim? Os meus colegas às vezes não se importam com a idade. E você quer sair? Não seja pendejo!
— Eu tenho o direito de escolher como viver.
— Você tem o direito de morrer. Como todos os outros. Ah! Há sempre um que me decepciona. Meu povoado me ama e eu também. E você deveria fazer o mesmo. Mas já chega de explicações. Vamos ao que interessa. Eu gosto de fazer o meu trabalho cantando. Gosta de música? Sou bem profissional e fica mais divertido. E para ti vou cantar uma das minhas preferidas músicas intitulada El necio por eso se murió. Porque vais morrer por sua teimosia.
Pablo quis fugir mas não conseguiu pois dois disparos o atingiram nos joelhos e ele caiu sentido a imensa dor. O Mariachi aproximou-se cantando.
“El necio ignora el precio a pagar
Y cuándo lo paga se pone a llorar
Y por eso la muerte lo va a abrazar…”
Pegou o Pablo pelo pescoço com a sua mão ossuda. O levou até uma árvore, o amarrou e afastou-se uns metros, rindo enquanto o rapaz chorava. Chorava de medo, arrependimento, raiva e dor. O sangue fresco não parava de sair dos seus joelhos causando uma dor insuportável. Mas ainda assim não se atrevia a pedir por sua vida. A expressão de dor no rosto dele causava um prazer esplêndido ao Mariachi que pegou sua pistola e apontou mais uma vez para o Pablo.
— A cabeça será a última — disse e depois voltou a cantar sua música.
Pablo sentiu dor por cada tiro que levava. Os disparos começaram atingindo as pernas já ensanguentadas à causa dos disparos nos joelhos. Primeiro ele encheu de balas a perna esquerda e depois a direita. Em seguida preencheu de balas a barriga e o peito que jorravam sangue sem parar. Ele cantava alegremente a medida que disparava. Os sons das balas perfurando o corpo do Pablo o excitava e o fazia desejar mais. Depois do peito, disparou na cabeça. Olhos, nariz, boca, bochecha, testa e orelhas. Após a última bala ser disparada, o corpo do Pablo parecia uma carne abatida banhada em sangue, sem resquícios de que algum dia fora um rapaz forte e bonito. A morte havia levado essa beleza.
— Fin! — Gritou o Mariachi contente. — Agora vou-me embora e tu, Pablo, ficas aqui para informares o ocorrido aos outros. Ninguém desafia El Mariachi de la Muerte. — Pegou a sua guitarra e desapareceu nas sombras cantando enquanto o cadáver do Pablo o olhava sem vida com uma expressão horrorizada estampada no rosto.
“El necio ignora el precio a pagar
Y cuándo lo paga se pone a llorar
Y por eso la muerte lo va a abrazar…”