Núcleo 001

– Eu cansei, nós nunca vamos conseguir ter um filho. – Disse Josefa que em seguida bateu a porta do quarto e começou a chorar.

– Calma, amor, nós vamos continuar a tentar até dar certo. – Disse Carlos tentando acalmar Josefa, sua mulher.

– Não, eu não quero mais tentar, essa foi a última vez.

– Não digas isso, amor.

– Me deixe sozinha, por favor.

– Mas…

– Me deixe sozinha, caralho!

Era uma luta constante para Josefa e Carlos tentarem ter um filho, era difícil olhar para todos os seus amigos com os seus lindos filhos, e eles apenas com os seus empregos, casas e carros. Carlos não suportava mais olhar para o rosto triste de sua mulher que parecia um quadro inacabado de Picasso, ele precisava fazer alguma coisa para trazer de volta a alegria e paz em sua casa. Carlos era cientista e trabalhava num projeto científico e tecnológico denominado “Núcleo 001”. Era um projeto que revolucionaria o mundo da tecnologia, com esse projeto, seria possível criar TUDO! Era como se simplesmente faltasse isso no mundo para que uma nova era começasse. Josefa era médica, mas devido a problemas de saúde foi obrigada a aposentar-se muito cedo. Então, Josefasimplesmente ficava em casa se sentindo um lixo por não conseguir dar um filho sequer a Carlos. Ela se culpava por tudo de mal que acontecia na vida de Carlos, sempre que haviam saídas entre amigos, Josefa não dizia nada, isso porque as conversas sempre eram direcionadas aos filhos.

Era mês de Março, o aniversário de Josefa se avizinhava e Carlos ainda não sabia o que dar de presente a sua querida mulher. Bem, talvez ele já soubesse o que dar de presente a sua amada, só que, ainda não estava pronto. Carlos trabalhou durante dias no laboratório e em casa, afim de tornar o aniversário de Josefa especial. Dia vinte e oito de março cintilava o calendário, ao ouvir o alarme tocar, Carlos pulou da cama, preparou um lindo pequeno almoço e levou-o até Josefa. “Feliz aniversário, amor”, disse Carlos que depois encheu o rosto de Josefa de beijinhos. Carlos tinha esse dia planejado na palma de sua mão, seria diversão atrás de diversão. Primeiro eles foram até ao parque de diversões onde os dois deram o primeiro beijo, depois ao cinema, a seguir, desfrutaram de um cruzeiro e finalmente passaram pelo restaurante onde Carlos havia pedido a mão de Josefa em casamento. Era o melhor dia de sua vida, disse Josefa, mas o melhor estava por vir. Quando chegaram em casa, Josefa se deitou como pedra no sofá e ressonava feito uma porca cansada. Carlos aproveitou-se da situação e foi até ao quarto deles preparar o tão esperado presente de aniversário. Ainda no sofá, Josefa sonhava com uma criança que chorava sem parar, ah que barulho, pensava ela. O barulho se tornava cada vez mais alto que já nem parecia ser um sonho. Josefa acordou e ainda assim ouvia o barulho da tal criança que vinha do quarto dela. Estava ela ainda a sonhar? Pensou ela se beliscando uma e outra vez até que finalmentetomou coragem e foi ver o que era. Ela subiu as escadas, abriu a porta devagar e viu que Carlos estava segurando e tentando amamentar um bebê.

– O que vem a ser isso, Carlos? De quem é essa criança?!

– Bem, é uma longa história. – Disse Carlos tentando se ajeitar com a criança.

– Você está fazendo tudo errado, me dê essa criança! – Josefa saiu de perto da porta, sentou na cama e recebeu a criança dos braços de Carlos. – Agora me diz, de quem é essa criança?

– Bem, essa criança é o teu filho, bem, nosso. É uma longa história.

– Meu? Teu? Nosso? Eu sugiro que comeces a contar, meu bom homem…

– Está bem, então cá vai… você sabe que eu sou cientista e trabalho já há mais de cinco anos num projeto denominado “Núcleo 001” e que se tudo der certo, será o melhor projeto já criado no mundo…

– Tá, tá, tá, vai direto ao assunto, Carlos.

– Não é mais, amor? – Sorriu.

– Enquanto não me disseres de quem é essa criança, não!

– Bem, é justo. Continuando, a gente sempre quis ter um filho, mas infelizmente nunca conseguimos. Então, durante todos esses anos, eu fui estudando cada vez mais o projeto Núcleo 001 e vi que sim, com isso eu podia criar um filho pra nós, com as mesmas emoções, aparência e necessidades biológicas humanas.

No início, a ideia parecia assustadora demais para Josefa engolir e aceitar, mas com um montão de explicações, ela acabou por ceder e se alinhou no mesmo projeto como a mãe de Kaij ou simplesmente Núcleo 001. Kaij tinha uma aparência física humana, ele possuía uma inteligência artificial única, que o possibilitava fazer coisas incríveis e aprender rápido. No início, Kaij parecia uma criança recém-nascida e agia como tal, ele sentia fome, chorava por qualquer coisa, transpirava, ficava doente, urinava e até mesmo fazia cocô. Kaij não era um robô, era umaespécie de criança feita de Silicone, pele e órgãosartificiais feitos pelo seu pai. Com o passar do tempo, Kaij cresceu e teve até cabelo, mas como é que isso é possível? Todas essas transformações, foram possíveis através do Núcleo 001 que havia dentro de Kaij. Ele aprendeu a falar e a comportar-se como uma criança normal dentro de casa. Seis anos depois, Carlos e Josefa já pensavam em matricular Kaij numa escola para que ele estudasse e fizesse amigos como uma criança normal.

Era setembro, e com ele vinha o início do ano lectivo, Kaij não parava de pular na cama por saber que hoje seria o dia em que ele finalmentefrequentaria uma escola. Tudo apostos, era só dirigir-se ao carro e ir pra escola, mas eles ainda tinham de esperar porque alguém tocou a campainha, Carlos mandou Kaij ir se esconder no quarto e dirigiu-se até a porta.

– Quem é? – Perguntou Carlos.

– Já nem reconheces mais o teu melhor amigo? – Disse a voz de fora.

Carlos abriu rapidamente a porta por suspeitar de quem se tratava.

– Wilson? Você por aqui?

– Carlos… não me vais deixar entrar? Então tu largas o emprego e sais da cidade? Simples assim?

– Bem, eu precisava cuidar da minha mulher e o projeto Núcleo 001 não tinha futuro, nós sabíamosdisso.

– Tá bem, agora me diz, onde é que ele está?

– O quê? Ele quem?

Rapidamente um montão de policiais entraram emcasa, atiraram Carlos e Josefa no chão e os fizeramrefém na sua própria casa.

– Onde é que ele está?!

– Ele quem?! – Gritou Josefa.

– Não te faças de desentendida, sua puta. – Wilson ergueu o punho e o aterrou com força no rosto de Josefa. – Não grita comigo, sua… puta. Foram anos, anos nos mentindo! E pra quê? Pra teres um mísero filho?! Apenas tinhas de arranjar uma outra mulher. Nós seríamos ricos, não, milionários, espera, bilionários! Você escondeu de mim a peça fundamental para a criação do Núcleo 001 e colocou no seu bebezinho.

– O projeto não era seu, era meu, eu criei SOZINHO essa peça e o governo queria tirá-la de mim e usá-lapara a criação de armas nucleares.

– O mundo é para os fortes, meu caro. Agora, onde está ele?

– Vai pro inferno, Wilson.

– Papá…? O Papá ofendeu?

Todos olharam para o final do corredor e lá estavaele, Kaij estava com a sua mochila e uniforme escolar olhando para os seus pais que estavam no chão.

– Olhem só quem ele é, Núcleo 001, vem até o titio, vem.

– Não vem, Kaij! Corre! – Gritou Josefa desesperada.

– Ah, que histérica, matem ela. – Ordenou Wilson.

O barulho da bala saindo da pistola abafou a sala, os olhos de Kaij se encheram de lágrimas ao ver a sua mãe ser baleada no meio da sala. A fúria, o medo e o desespero tomaram conta do corpo de Carlos que ganhou forças e saiu do chão, num movimento rápido, Carlos puxou a pistola de um dos policiais e atirou bem na testa de Wilson.

– Corre, Kaij, Corre! – Gritou Carlos com todas as forças que lhe restavam.

Kaij virou-se e começou a correr o mais rápido possível, ele não conseguia perceber o que tinha presenciado, o seu cérebro e núcleo ainda não tinham processado tudo. Tiros e o grito de desespero de seu pai, foram as últimas coisas que Kaij ouviu quando saiu a correr de casa. Ele não conseguia perceber o que sentia, estava com lágrimas nos olhos, confuso e apenas corria, sem rumo e sem direção.

Anos se passaram e até hoje não se sabe ao certo oparadeiro de Kaij, a polícia ainda tenta encontrá-lo, pósteres de “criança desaparecida” foram colados em todas as esquinas da cidade, mas até agora, sem sucesso. Até hoje, Kaij vive desaparecido e o projecto “Núcleo 001” ficou conhecido como um mito apenas…