— Como posso me achar bonito com esses jovens andando na mesma terra que eu? — Indaguei olhando para a minha amiga que os encarava enquanto eles jogavam bola uns aos outros. 

— Você não deveria ligar pra essas coisas. — Ela me respondeu em tentativa fracassada de me animar. 

— Essa era a parte que você me encoraja e me fala: "Você é muito mais bonito do que eles". Eu sei que estarias mentindo, mas é assim que os amigos de verdade vivem. Eles mentem para o nosso bem. Você não quer meu bem? — Perguntei em conclusão. 

Ela riu.

— Você está obcecado com isso Carlos. Beleza física não define nada. 

— Ah, é!? Não define? — Perguntei, atónito. 

— Sim, não define. O que importa mesmo é a beleza interior. 

Me posicionei para mais perto dela de modo a chamar sua atenção. Estava demorando pra ouvir aquele clássico. Na verdade não acreditei que ela havia me dito aquilo. 

— Sério que você vai usar esse cliché comigo? — Perguntei. 

— Orroh, por ser cliché, significa que não seja verdade? — Ela respondeu devolvendo a atenção pra mim. 

— Ah, é... Então por que diabos você me deu não? Você está dizendo que nem no meu interior eu sou bonito? 

Ela descansou os braços nos quadris. 

— Espera, você deu não no Carlos? — Perguntou Bráulio ao se juntar a conversa em tom de deboche. — Quantas pessoas deram não em você wey, toda escola? — Concluiu. 

— Deixa disso Bráulio! — Sandra sentenciou em minha defesa. — E você Carlos, quantas vezes terei de explicar que você é como um irmão pra mim? Nós crescemos juntos. Não ter aceitado você não tem nada a ver com o teu físico e sim com o tipo de intimidade que temos. 

— E quanto ao meu interior? — Perguntei novamente. 

Ela simplesmente abanou a cabeça.

— Isso de beleza interior é conversa pra boy dormir. — Explicou Bráulio. 

— Realmente. Quer dizer, olhem pra eles por exemplo. — Pedi e eles obedeceram, e de seguida lançamos os nossos olhos de volta aos jovens que estavam na porta da escola jogando bola uns aos outros. 

Eles eram os mocinhos e já haviam pegado metade das mulheres da sala, "ou será que era da escola? Não sei, perdi a conta. 

— O que eles têm de especial além de rosto bonito? — Indagou Sandra. 

— É exatamente isso. O rosto bonito. Vocês já ouviram eles sorrindo? Parecem anjos cantando. 

Sandra riu. 

— Deixa de ser gay Carlos. — disse Bráulio franzindo a testa. — Também não precisas exagerar tá. Menos jovem, menos, porque desse jeito você ofende esse cacau aqui. — Concluiu apontando pra si mesmo. 

— Parece que vocês não estão entendendo, mas eu explico. 

— Vê se explica bem Carlos, que isso já começa a ficar estranho. — Sandra pediu. 

— O que estou querendo dizer é que eles não precisam de beleza interior. Isso é pra nós. 

— Nós quem? 

— Você entendeu Bráulio. Mas ainda assim eu explico... Esse papo de beleza interior só funciona mesmo pra gente desprovida de beleza física. E... 

— Espera Carlos — Sandra me interrompeu... — Você se acha feio? 

Não sabia como responder a pergunta dela, então continuei apenas ignorando-a: 

...— E aconteça o que acontecer, eles já ganham 70 a 80 pontos com as mulheres só por serem bonitos.

— Esses pontos se comem? — Sandra quis saber. 

— Qual é Sandra, vai dizer que é mentira? Você já imaginou o Harry Cavil na sua frente dizendo que te quer? Ou Mesmo o Michael B. Jordam? Você pensaria na beleza interior? 

— Isso é jogo sujo Carlos — Bráulio disse. 

Se havia um hétero no mundo fã do Michael B. Jordan, esse hétero se chamava Bráulio Martins. 

— Não coloca o Michael nessa tua paranoia — continuou...— Ele não é qualquer pessoa não... você entendeu? Ele é o Fucking B. Jordan. Todo mundo daria pra ele. Inclusive eu, se ele pedisse. — Concluiu. 

Sandra riu novamente. 

— Quem está sendo gay agora? — Perguntei em provocação? 

— Olha, Carlos. Deixa-me te explicar uma coisa: Eu até entendo o teu pensamento mas há uma coisa que você tem que entender. Isso de ser bonito e já sair ganhando sei lá quantos pontos é coisa de pessoas não exigentes. Você precisa entender que nem todas mulheres assim como homens são iguais ou pensam iguais. Existe um padrão sim, lamentavelmente. Mas isso não se aplica a tudo e todos. Vamos voltar ainda aos nossos colegas com sorrisos angelicais — ela disse em ironia. — Repara pra eles. São bonitos sim, e isso é irrefutável mas você já ouviu eles falando, ou mesmo viu eles escrevendo? O Evanio por exemplo, ele é da minha turma e eu pergunto, você tem noção do tanto de erro ortográfico ele tem? Você tem noção do tanto de broas ele lança por dia? Parecem o meu irmão menor e ele só tem 7 anos. Veja-os agora. Até a brincadeira deles é de adolescentes mesmo sendo todos adultos. 

— E o que isso tem a ver? — Perguntei. 

— Isso é só pra te mostrar que na verdade quando se fala de beleza interior se fala de respeito, maturidade, carácter, inteligência, e isso você tem pra dar e vender. Agora eles, é mesmo só rosto bonito e... 

— Calma Sandra.— Agora foi Bráulio quem a interrompeu...— Você está querendo dizer que todos homens bonitos como eu, é claro, não têm isso que você acabou de descrever? 

— Nada disso. Estou falando deles ainda e já chego na tua pergunta. Entretanto, o que estou querendo dizer é que essa beleza nunca é suficiente se não carregar esses atributos juntos. E quanto as colegas que eles pegaram ou pegam, vocês deveriam prestar mais atenção a elas. São exatamente como eles em sua maioria. Me digam o nome de uma delas que continuam juntos até hoje. 

Não consegui responder nem o Bráulio, e o silêncio entre nós perdurou por quase 10 segundos pela primeira vez na conversa até ela quebrar em continuação: 

— Pois é, nenhum deles está com elas e vice-versa. Sabe porquê? Por que não passam de relacionamentos frívolos a base da estética pra destilar para as pessoas que tem namorado bonito ou namorada bonita. Se for isso que vocês querem então sigam em frente. Mas saibam que mulheres sérias e maduras dificilmente ficarão com um homem que é só bonito. Até podem começar e tal, mas depois eles acabam sempre por terminar. Elas são mais exigentes. Saber escrever por exemplo, é o mínimo que podemos exigir. Ninguém tem paciência pra ficar com alguém que já tem erros gritantes e ao invés de mandar mensagem no privado ainda quer te postar no Facebook: "Amori da minha vida, durmiste bem?" — ela fez uma pausa para eles imaginarem o que acabara de dizer. — Hossana nas alturas! Vocês não têm noção da vergonha que é isso. Ser bonito e não saber escrever é o cúmulo, principalmente quando adulto. O que vai acontecer no máximo é ela ficar contigo e não querer te apresentar nas amigas. Pior se forem àquelas que insultam de verdade. — concluiu rindo das próprias palavras, como se estivesse tendo flash backs de uma experiência vivida por si. 

— Mas como disse o Bráulio, nem todos são assim. 

— Isso mesmo, e ele está super certo. Aliás, aí entra o Michael B. Jordan. Ele não é só bonito. Ele é inteligente, maduro, e sei lá mais o quê. Mas para terem mais ou menos uma ideia do que estou falando, vocês precisam ver o vídeo do Gilmário Vemba que fala sobre isso. O vídeo está lá no YouTube. Infelizmente o título não me vem agora em mente, acho que foi lançado no dia das mulheres africanas.

Parei por alguns segundos pra voltar a refutar. 

— Então por que não consigo arranjar nenhuma namorada? 

— Você não consegue por causa desses teus pensamentos. O que você tem de inteligente e educado você tem de baixa auto-estima. Nós mulheres gostamos de homens confiantes, seguros de si. Você me entende? Quantos homens que a sociedade considera feios estão aí namorando com lindas mulheres inteligentes, e mais, muitos deles ainda iludem e iludem feio. Eu e o Bráulio rimos.

— Nem todos. — Bráulio respondeu. 

Agora foi ela quem riu. 

— Nem todos, sei. — ela repetiu de modo irónico. — Isso sim é um verdadeiro clássico. — Concluiu. 

— Você sabe muito bem que também tem mulheres fazendo isso. 

— Isso, o quê? 

— Magoando homens incríveis. 

— Ahhh... Bráulio, vamos falar sobre isso em outra conversa. Por hoje chega. Estou cansada e com fome. Então vamos pra cantina antes que retomemos as aulas. E já agora, quem de vocês ficou de pagar os cachorros hoje? 

Bráulio lançou seu olhar pra mim.

— Não me olha assim, que hoje é tua vez. 

Ele riu e levou a mão no bolso de trás da calça e alcançou sua carteira. 

Olhei pra Sandra mais uma vez. 

— Obrigado pelas dicas — disse, e ela bateu no meu ombro. 

— Não foi nada. Amigos servem pra isso, não é mesmo? 

— Com certeza.