por Daluka, em 2021-08-27
Um Correio Chamado Tulipa
UM CORREIO CHAMADO TULIPA
/:Daluka
Escrevia para alguém que não existia. Pintava com cada palavra, uma inexistência cujo futuro fervilhava em sonhos, meros sonhos sem realização profetizada. Outra coisa que mal se sabia dela era a habilidade de amar flores. Encontrava nelas o seu repouso diário.
O homem, pintor desde a juventude, conheceu dona Florinda quando esta tinha uma pequena floricultura e ia para lá pintar girassóis todas as manhãs. Quando souberam que teriam um bebê, a sua primeira preocupação era o nome que dariam para o ser angelical que viria a nascer. O nome para a filha só podia ser relacionado às flores, diziam todos. Isso deve-se, claramente, ao facto dos pais amarem inimaginavelmente aquelas plantas ousadas que cativavam homens. Mas não era apenas isso, eles realmente acreditavam que seríamos todos capazes de cuidar melhor o que apresenta semelhanças connosco.
Apesar de um nome já ter sido escolhido, sabe-se lá qual era, tal substantivo viria a mudar quando um menino, desses cujo tecto é o céu reluzente e o cobertor para as noites um mero caixote ou jornais de dias anteriores. O menino, vestido com as mesmas roupas que conhecera, sem possibilidades de escolha em nome da moda, adentrou pela loja com uma rapidez para entregar para dona Florinda, uma rosa.
– Tia, um anjo me mandó trazer essa flori vermelha.
Não escondendo o susto pela surpresa que tal momento lhe trazia, dona Florinda nada mais conseguia dizer a par de uns muitos obrigados secos. O menino, depois de ter entregue a encomenda de uns tais anjos, correu com a mesma velocidade que apareceu. Dona Florinda o viu perder-se no horizonte da rua, em direcção ao Sol que parecia beijar o asfalto quente daquele verão de Setembro memorável. Todos os dias, o sol podia esquecer-se de nascer por não ceder ao caprichoso grito do despertador, mas o menino não esquecia de levar uma rosa para o local onde se vendiam rosas.
– Meio estranho... – pensava o futuro pai – ninguém oferece um pão para o padeiro, ainda mais quando está na padaria vendendo pães.
– Deixe o garoto – retorquia a esposa –, não é errado doar um calmante diário de beleza para suportar o sol infernal que faz a cidade. As flores, meu doce amor, são calmantes que a medicina esquece de receitar.
Dias passaram e o que era habitual foi se tornando inexistente. O menino não aparecia pela manhã para deixar flores, nem mesmo para matar o bicho junto da dona Florinda. Os dias transformaram-se em semanas e essas chegaram perto de completar o mês. Dona Florinda, com medo que algo grave pudesse ter acontecido diz que vai procurá-lo pela cidade.
– Você não vai sair daqui, muito menos nessas condições. Deixe que eu vou atrás dele para você. Onde ele vive mesmo?
– Viver? Acha mesmo que ele vive nalgum lugar? Ninguém vive neste país, imagine ele, preso em um mundo onde ninguém o quis abraçar. Sua escolta são as moscas e a sua pele, campo de treino para os mosquitos inexperientes. Viver é poder ser, não lutar para existir.
– Eu vou encontrá-lo, mas não quero que a busca te atinja e com isso a vida dentro de você. Lembra de algum lugar onde possa iniciar a busca?
– Por baixo do Hotel Apollo, na Rua do Comércio.
O homem despediu-se da esposa com um abraço e lá meteu-se pelo asfalto até o local. Estava determinado a encontrá-lo e o levar para casa. Ao local onde habitavam outros meninos ao relento, moveu os olhos em várias direcções mas não via aquele rosto que tão bem conhecia. Lembrou de se aproximar e perguntar por ele aos demais, mas deu-se por si um homem que não conhecia o nome de quem procurava. Ligou para a esposa para saber mais.
– Amor, qual é o nome do cassule?
– Ele não tem nome.
– Como não tem nome? Todos têm um nome.
– Menos ele, não teve tempo de ter nome. Nunca se tem, quando se luta todo instante para sobreviver. A sobrevivência ocupa muito tempo, ocupa toda vida. Você o encontrou?
– Como é suposto encontrar alguém que não tem nome?
– Tente por Correio.
– Correio?
– Sim.
Perguntou aqui e acolá, sem efeito. E quando não mais tinha esperança na sua missão e ia cabisbaixo para o seu automóvel, pensando em como a sua esposa reagiria a uma notícia dessas, um menino, vestido só com um calção improvisado, aparece ao seu lado e pede uns míseros 50 para comprar um pãozinho.
– Dou-te muito mais para dividires com os outros se me mostrares onde está um menino que diz ser Correio.
O menino moveu a sua cabeça para baixo, parecia pensativo. Depois ajeitou-a em sinal de negação, primeiro para esquerda e depois para a direita. Ele parecia desconfiado e não estava pronto para dar informação, independentemente da sua fome.
– O mano quer o quê com Correio? – Questionou ao homem.
– Quero levá-lo para casa.
Rapidamente levantou o seu rosto e olhou para o homem. Aquele olhar, num misto de espanto e sorriso, deu esperanças ao pobre homem. Quase se podia ver o brilho dos seus olhos que rapidamente transformavam-se em poços de lágrimas.
– O mano chegou tarde, Correio já foi pra casa.
– Ele tinha uma casa?
– Todos temos uma casa, o preço de ir lá viver é que é caro. Até mesmo o Correio, também lhe pagaram lá com ele.
– Quem pagou a casa?
– Um candongueiro, desses azuis e brancos.
– Correio está morto? – Disse o homem boquiaberto.
– Não, finalmente conseguiu viver.
O homem não podia acreditar, aquele sorriso já não encantará mais sua esposa e nem as falas desajeitadas que ele aprendia. Sabia como a sua presença fazia bem e conseguia pôr um sorriso nos lábios e um brilho nos olhos da sua amada esposa depois de quase um ano mergulhada em tristeza profunda.
– Mano, Correio deixou as coisas dele aqui. Ninguém mexeu, juramemo!
Eram só metades de jornais, papelões e uma lata de sardinha que ele conservava nela uma flor.
– Só isso?
– Isso era a riqueza dele.
Ter riqueza é diferente de ser rico. O homem entregou os pertences ao menino e deu-lhe o dobro do que havia prometido para dividir com os outros. Entretanto levou a lata de sardinha consigo para casa e pelo caminho, magicava caminhos menos dolorosos para contar quando chegasse a casa. Infelizmente, nenhuma pessoa está realmente preparada para a morte, nem para contá-la ou ouvi-la. Contou tudo do modo menos doloroso que achava e, apesar disso, não foi possível conter as lágrimas da mulher que durante dias, viveu a vida mais amarga do que já era. Chorou tanto que chegou mesmo a adoecer. Tristeza mata, muitos fingem não acreditar, mas mata.
O homem, preocupado pelo estado contínuo em que a sua esposa se encontrava, segurou a lata de sardinha e colocou-a na janela do quarto. O Sol batia nela e produzia uma sombra no chão como se de um cetro se tratasse. É incrível como as coisas podem ser maiores no escuro.
– Ele quereria que você se apaixonasse tanto pela vida como ele era por você e pelas flores. – disse olhando para a esposa antes de ir ao trabalho.
Dona Florinda passou a tarde observando a flor e decidiu plantá-la no jardim de casa onde plantou inúmeras outras, de todos os tons e tamanhos, tipos e aromas. Quando retirou a flor para levá-la ao buraco na areia, observou um papel no fundo da lata com a letra do menino, parecia uma carta que se tornou póstuma cedo demais. Parece que o menino seguiu à risca o conselho que um dia lhe foi dado. As flores também cresciam com o amor, e por isso tinha a carta por baixo das raízes, para transmitir esse amor à flor que parecia cheia de cicatrizes iguais às dele.
Quando o esposo chegou a casa, ao entardecer, vindo do trabalho, dona Florinda correu para abraçá-lo e o encheu de apaixonados beijos. Ela estava tão feliz que se podia ver novamente o seu lindo sorriso e um brilho naqueles olhos que lembravam o porquê se tinha apaixonado por aquela mulher: pela paixão de viver.
– O nome da nossa filha será Tulipa! – berrou a mulher.
– Tulipa?
– Sim. O menino não conhecia o nome da flor, homem!
Por um momento quis abordar com uma série de questões, mas não ousou em perguntar mais e acenou aceitação com um sorriso e um beijo na esposa. Nalguns momentos, quando nós desconhecemos as respostas, ficamos calados, felizes, observando como aquilo faz bem a quem amamos.
***
Mana Filorinda encontri esa flori no lixo e senti pena dela Ela tambe nu tinha nome tipo eu e fui busca água e nome pra le dá. Tava suja e com as otra floris peqena mortas; vais gosta muinto da flori é bem bonita tipo voCe. quado sabe o nome tambe vo se da com ele pra se meu xara.
FIM
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