por Sweet Zompira, em 2023-05-06 13:00:06
A Cantora Fantasma
Capítulo 1 - A Felicidade dura pouco
Eu até agora não me acostumo com o formigamento na barriga, ou seja, o nervosismo que sinto sempre antes de tocar. Os meus anos de experiência tocando não ensinaram-me a controlá-lo. É uma coisa que não consigo evitar. Para as pessoas é só mais um evento artístico de música, mas para mim é um dos melhores momentos da minha vida e felizmente sempre tive esses momentos. Não sei o que faria sem a música. Não sei o que seria se não fosse músico. Às vezes tento ser bastante modesto mas a minha colecção de prémios não permite, e sim, pode parecer egoísmo, mas sou muito bom no que faço. Sei tocar bateria, violino, saxofone, flauta, mas o piano e a guitarra são as minhas paixões, os meus companheiros de vida.
Finalmente escuto o meu nome sendo anunciado. Com passos definidos e confiantes subo ao palco. As pessoas aplaudem, principalmente minha família e o meu fã clube que estão na primeira fila. Sorrio, os agradeço e sento-me frente ao piano. Meus dedos ansiosos para dançar sobre as teclas que me olham convidando-me para a festa e então começo, desligo-me do mundo e entro literalmente na música. Por longos minutos toco uma canção com acordes melancólicos e majestosos e quando termino, uma sensação de prazer saciado me invade. Algumas pessoas se levantaram e aplaudiram veementemente. Levanto-me e faço uma vénia.
Minutos depois, todos os concorrentes são chamados ao palco.
— Que espetáculo! — Disse o anfitrião do concurso, sorrindo satisfeito. — Estes senhores realmente sabem como tocar nossas almas, não é mesmo? Mas infelizmente somente um deles é o vencedor da noite de hoje.
Nós nos olhamos nervosos e com os sons dos seus sapatos pretos perfeitamente polidos ecoando pelo salão cada vez que dava um passo, caminhou até a mesa dos júris e recebeu o envelope que continha o nome que todos aguardávamos.
— Já temos o nome! — Lendo o cartão dourado que estava no envelope. — O vencedor ou vencedora desta noite é… — um silêncio longo para criar o clima de suspense. — Ele ou ela é…
Meu coração batia rapidamente.
— Richard Cobain! Parabéns! — Disse felicitando-me enquanto eu recebia a famosa estátua do piano de ouro.
Meus colegas felicitaram-me sorrindo e eu os agradeci.
— Muito obrigado a todos! Pelo apoio e admiração que sentem por mim. Especialmente a minha família, os meus amigos e o meu fã clube — falei emocionado e eles aplaudiram. — Podem pensar que é mentira mas só o facto de eu estar aqui e tocar para vocês é o que mais me enche de felicidade. Obrigado a todos! — Conclui levantando o meu prémio.
A minha família não queria largar-me, principalmente a minha namorada. Estavam cobrindo de beijos o meu rosto. Eles nunca se cansam de fazer isso e eu adoro quando o fazem.
— Tem uma festa organizada pela Organização de Música lá no restaurante Comidas do Ladislau. Vocês me acompanham?
— Não, filho. Nós vamos comemorar em casa quando voltares. Vá com seus amigos — disse a minha mãe, acariciando o meu rosto.
— A mãe tem razão, Rick. Vá com eles e depois vamos massacrar-te em casa — disse a minha irmã menor, rindo.
— Ai, Alexis. Você é uma bárbara — disse fazendo festas na cabeça dela.
— Mais tarde, você terá o meu presente — disse a minha namorada beijando o meu rosto com delicadeza.
Sorri abertamente, pois já imagino o que é e já quero que as horas passem voando.
— Anne, Anne. Sempre tão sedutora — falou a minha irmã mais velha nos olhando.
— A culpa é do seu irmão por ser tão lindo — respondeu rindo e não resisti e a beijei.
— Vá. Estão esperando-te — disse meu pai pegando no meu ombro.
— Nos vemos depois, família — despedi-me e subi no meu carro.
Minutos depois, conduzia tranquilamente pelas ruas escuras de Alumeque rumo ao restaurante. Na rádio tocava a música Bring me to life da falecida vocalista de uma banda antiga de rock, a Amy Lee. Uma pequena tristeza me invadiu. Eu amava essa mulher. A voz dela me acalmava. Parei o carro num sinal vermelho e olhei os pedestres passando pela passadeira, com a sua pressa habitual para chegar às suas casas e assim descansar. De repente ouvi o som de uma buzina de um carro que veio rapidamente em minha direção e me atingiu. Tudo ficou escuro.
***
Abri os olhos lentamente e a única coisa que senti foi todo o meu corpo doendo muito. Olhei em volta e percebi que estava no hospital, as paredes brancas denunciaram o local. Uma enfermeira cumprimentou-me e saiu do quarto logo em seguida. Minutos depois um doutor entrou com os meus pais e a Anne.
— Graças a Deus estás acordado! — Disse a minha mãe chorando.
Eu ainda estava um pouco confuso e tentei lembrar-me do que havia acontecido e nada. Só me lembrava do momento da batida, depois disso, vazio. Devo ter tido um acidente. Isso é o mais lógico. O doutor me revisou e no final sorriu.
— Você vai ficar melhor, Richard.
Assenti lentamente e levei minha mão à cabeça e percebi que elas estavam enfaixadas e não conseguia mover os dedos.
— Porquê não consigo mover os dedos? — Perguntei olhando para o doutor.
— As suas mãos foram as partes mais afectadas pelo acidente, tiveste lesões graves e fizemos uma cirurgia de reparação.
— Ele vai poder mover os dedos? — Perguntou o meu pai preocupado antes mesmo de eu processar o que acabara de ouvir.
— Ele vai poder mover os dedos depois da fisioterapia, mas não como antes. Tem coisas que serão… difíceis de fazer.
— Poderei tocar piano ou guitarra? — Perguntei desesperado.
Ele olhou-me seriamente.
— Infelizmente não com a regularidade necessária. Será difícil visto que os dedos estarão limitados a certos movimentos — disse.
Infelizmente não. Esta frase se repetiu varia vezes em minha cabeça. Não! Isso não pode acontecer. O que vou fazer? O que vai ser de mim sem tocar?
— Não pode ser, doutor. Tocar é minha vida. Eu não posso ficar sem tocar! — Gritei desesperado.
Tenho que sair daqui. Ele está mentindo. Tentei levantar da cama mas a maldita dor me impediu. Fiquei furioso. Meus pais diziam para me acalmar. Não há lugares para calma. Eu vou sair daqui. Isso é mentira. O doutor me injectou algo e lentamente fui ficando com sono até não conseguir pensar mais.